Ontem foi aniversário do meu pai, então não consegui passar no meu computador e escrever sobre o filme de ontem do festival, Da Colina Kokuriko, de Gorō Miyazaki. Também não vou dizer que fiz muita questão, já que o filme não é lá essas coisas. Ele é bonito, mas a melancolia que ele evoca é muito básica, nem parece ser do mesmo estúdio em que o eco do vento pode ser sentido no farfalhar da floresta do Meu Amigo Totoro. Sua narração torna a melancolia em texto, ao invés do subtexto com a qual os melhores filmes do estúdio parecem trabalhar. Te dizer que eu tentei ver esse filme duas vezes, e nas duas vezes eu cochilei. Nem no cinema eu me aguentei.

A família Yamada assistindo TV, com o pai do lado de fora de casa com cara de brabo

Meus Vizinhos, os Yamada é genial. Eu amo o trabalho do Takahata, e sua liberdade em usar traços e estilos de animação distintos para dar vida ao cotidiano dos Yamada é de uma delicadeza que eu acho que poucos filmes capturam toda a beleza que existe na dinâmica familiar, em todas as suas especificidades e problemas — os Yamada estão longe de serem amorosos, eles estão sempre implicando entre si. Mas Takahata cria as esquetes da família com tanta beleza e atenção aos detalhes mais básicos da convivência que transparece o carinho desses personagens pela dinâmica que eles criaram entre si. Tem sequências impagáveis, como quando eles esquecem a caçula no shopping, ou quando a mãe corre para recolher as roupas quando a chuva começa, e percebe que ela esqueceu de estendê-las. Ou aquela em que o pai se levanta e oferece para buscar algo caso alguem queira, só por educação. É tão mundano, mas tão lindo, que dá uma animada no meu próprio dia-a-dia. As duas sequências que abrem e fecham o filme, das histórias de casamento, são brilhantes. Um filme que eu amo rever. Amanhã tem Memórias de Ontem, outra obra-prima dele.

Eu e o Tobias estávamos nas manifestações aqui da minha cidade contra a PEC da blindagem e do PL da anistia. Foi muito bonito, muito alegre. Pra uma cidade cada vez mais cinza, até o sol abriu. Deu um bocado de esperança ver toda aquela galera junta.

Algumas horas depois deixei o Tobias em casa pra ir na sessão do Ghibli Fest de hoje. Deu tempo de pegar um pastel no bar aqui do lado de casa e seguir caminho. É muito bom ser brasileiro.

Totoro, totorinho, totorinhoinho, Satsuki e Mei em cima da árvore gigante

Meu Amigo Totoro é um dos filmes mais importantes da minha vida. Eu fui uma criança muito assustada e calma, e meu desenho favorito era a fita VHS desse filme que ficava na casa da minha avó, e que eu via nos fins de semana que eu ficava lá. Totoro é um filme mágico, e revendo ele depois de muitos em muitos anos eu achei ele mais emocionante ainda. Nunca percebi o esforço que a Satsuki faz em parecer forte para a Mei, em fazer a irmã acreditar que tudo vai ficar bem enquanto ela em si tá com muito medo de perder a mãe.

Vai ver eu já tava no espírito quando eu entrei na sessão, mas tem muito do senso de comunidade de um vilarejo pequeno em Meu Amigo Totoro, que me lembra tanto a infância quanto o ditado de que “é preciso de uma aldeia inteira para criar uma criança” (que tem origem incerta). É preciso de uma cidadezinha inteira, tanto as pessoas quanto a natureza dela, para cuidar de Satsuki e Mei, e mesmo assim vão ter momentos em que elas vão se sentir sozinhas e desprotegidas. Sorte a delas de o Totoro estar por perto.

E visualmente lindo, caramba. Não é a toa que esse filme fica na memória. Miyazaki é o rei das transformações da matéria — de tornar o sólido em líquido, o rígido em maleável. O mundo se desdobra na nossa frente de formas absurdas e naturais ao mesmo tempo. A cena em que Mei conhece o Totoro, e adormece sobre ele tirou sorrisos e bocejos do melhor sentido: é um filme que nos deixa tão confortáveis naquele espaço, naquela lembrança de tudo o que a gente consegue ver quando somos crianças e que deixamos pelo caminho conforme vamos crescendo, que parece que o filme vai nos ninar.

É um dos melhores filmes que eu já vi. Era quando eu tinha seis anos, e continua sendo agora. Que bom ter reencontrado ele nesse diazinho perfeito.

Kiki está apoiada no balcão da padaria olhando pela porta de vidro da loja, uma girlanda com uma bruxinha sentada numa vassoura com seu gato está pendurada na porta

O Serviço de Entregas da Kiki foi ontem, mas depois da sessão eu tinha um aniversário pra ir e só consegui sentar agora no computador pra escrever sobre. Mais uma sessão cheia — essa a gente sabia que tava esgotada já fazia uns dias. Tava chovendo bastante, e mesmo assim quase todo mundo veio. Só tinham uns dois ou três lugares vagos nas poltronas da primeira fileira.

É um show. Kiki não foi o filme que eu vi quando eu era criança, como eu suspeito que muitos na sessão tenham visto. Eu vi ele pela primeira vez alguns anos atrás, mas ele parece ser um ótimo filme para assistir na casa dos avós num sábado. Como outros filmes do Miyazaki, é um filme que voa: a história passa voando, por diversos personagens, sem nunca parecer apressado. Kiki apresenta as dinâmicas da vida de uma bruxa com tanta facilidade, e sem precisar parar a história, que é de dar inveja a qualquer roteirista. Ela precisa sair de casa, encontrar uma cidade sem bruxa, e oferecer seus serviços à população — e, consequentemente, amadurecer. É muito pesado para uma criança de 13 anos, e Miyazaki sabe disso! A conversa com Ursula, sobre como ela não consegue desenhar todos os dias, é de uma honestidade e franqueza que me tira o chão.

O Serviço de Entregas da Kiki acaba exatamente quando o conflito se resolve, mas eu acho que muito do que me chama a atenção no filme é o que está ao redor dele. Por exemplo, eu amo como o marido da Osono parece um durão mas fica andando pelo salão da padaria enquanto a Kiki não volta pra casa numa noite; ou todo o arco de romance do Jiji. É um filme repleto de pessoas queridas e simpáticas e que querem ajudar um ao outro. Não é a toa que a gente sai dele inspirado a fazer parte de um mundo melhor.

fiftythousandnames.org é o vencedor do Tiny Awards

Todo ano acontece o Tiny Awards, que celebra um site da internet pequena, feita à mão. Essa é a terceira edição do prêmio, e foi pro fiftythousandnames.org, que lista em um gráfico as 50 mil pessoas que morreram no genocídio em Gaza com seus nomes, idades e, em alguns casos, as circunstâncias de suas mortes. O número de pessoas no site parece baixo porque ele comprende as vítimas de outubro de 2023 à março de 2025. Se feito hoje, teria muitos nomes mais.

Leo Scarin, aceitando o prêmio desse ano:

Data visualization, even with the most poetic intentions, won’t fix the ongoing genocide in Gaza. But it can draw a starting point that moves people to action, boycott, and daily exercises of building a culture of human dignity.

[…]

Making the small web is like learning to cook homegrown produce, whereas big tech is a multinational food delivery company.

In this regard, tiny is political. Tiny is revolutionary. It’s what web culture needs and what internet platforms should give space to.

O Liquid Glass é muito inconsistente no Mac, e isso tá me incomodando muito. Parece até quando o Windows muda de visual, mas fica com “heranças” de redesigns anteriores (como o Explorador de arquivos).

O Safari parece um exemplo de todos os problemas nas inconsistências. A barra lateral, que deveria ser semitransparente, tem um fundo branco. Dá pra ver quando a página da web começa e onde termina a barra lateral. Fica evidente que a barra lateral, nesse caso, só quer ocupar espaço:

Uma janela do navegador Safari com a página inicial da Apple.com. Em destaque, a separação entre o conteúdo da página e a barra lateral

Note também como a barra superior tem uma divisão clara entre ela e o conteúdo da janela. Agora, no Finder, essa divisão é diferente, com um gradiente e um filtro de difusão ao invés de uma barra sólida:

Uma janela do Finder, o explorador de arquivos do macOS, com uma lista de aplicativos

Poxa, o Safari é o navegador do macOS, mas não parece ser um aplicativo nativo nem do próprio sistema operacional. Eu sei que o design do Liquid Glass vai amadurecer nas próximas versões, mas o caminho tortuoso vai ser longo se essa é a primeira versão que eles tem pra apresentar.

Eu gosto muito das animações e da profundidade do Liquid Glass no iPad, principalmente nos menus de navegação e nos botões. Ele deve ser realmente impressionante no visionOS. Ele é bem menos impressionante no iPhone e na Apple TV. Mas ele parece muito fora do lugar no Mac. Uma pena.

Porco apoiado na parede enquanto fala em um telefone público — ele tá com uma posa muito charmosa

Sessão cheíssima pra assistir a Porco Rosso: O Último Herói Romântico. Foi bem divertida também. Porco Rosso é muito engraçado, e a plateia tava bem a fim de rir. Por mais séria que a história se torna, a forma física do herói — ele é um porco! — sempre vira um motivo pra sorrir. E é divertido como Hayao Miyazaki usa essa forma pra brincar com nossas expectativas. Porco é sempre filmado em posições típicas de um galã de cinema, ele parece até se vestir como um Jean Garbin em Trágico Amanhecer (do Marcel Carné, 1939).

Dos filmes do Miyazaki, esse é um daqueles fascinantes em segredo. Não é sobre o protagonista tentando quebrar uma maldição, ou aprendendo a amar de novo, ou a confiar em outras pessoas. Tem tudo isso no filme, mas seu final melancólico parece virar toda essa aventura de ponta cabeça — esse desse ser um filme definidor pro Wes Anderson, que adora pregar essa mesma peça nos seus filmes e puxar o tapete do espectador nas cenas finais, e empurrar ele em uma maré de melancolia. Bom demais.