Uma plantação de flores em meio às montanhas, com pessoas coletando elas

Revendo os filmes do Studio Ghibli assim, um atrás do outro, a gente querendo ou não fica fazendo paralelos e suposições. Por exemplo, os dois filmes menos excelentes até aqui — Eu Posso Ouvir o Oceano e Da Colina Korukiko — parecem querer muito beber da fonte de Memórias de Ontem, uma das pérolas do cinema de Isao Takahata.

Embora Miyazaki seja o mais conhecido dos mestres do Studio Ghibli, Takahata não fica atrás em termos de qualidade. Dos seus cinco filmes pro estúdio, eu acredito que no mínimo três são obras-primas tremendas. Seu primeiro filme, O Túmulo dos Vagalumes, é um dos manifestos mais tristes e lindos contra os horrores da guerra que eu já vi. Seu último filme, O Conto da Princesa Kaguyia, é uma obra de arte, uma viagem sensorial pelo infinito e pelos mistérios da nossa existência, pelos limites do que a gente consegue imaginar que existe no mundo. Amanhã tem sua outra obra prima, Pom Poko. (Eu considero Meus Vizinhos, os Yamada outra obra-prima, mas sei que é uma opinião impopular).

Embora seja um filme “menor” do diretor, Memórias de Ontem é um colosso de filme. Em uma viagem de verão, uma mulher vai ao campo ajudar em uma fazenda, o que a faz lembrar de sua infância. Ao invés de fazer as memórias serem puxadas por eventos relacionados no presente, Memórias de Ontem parece muito mais interessado em capturar aquele sentimento que a gente tem de quando uma memória rouba a nossa atenção e nossos sentidos. É lindo como Taeko que lembra da vez que provou um abacaxi, e Takahata faz questão de mostrar como a mãe corta a fruta para a filha, como um daqueles detalhes que a gente guarda na memória e que, parece, não fazem sentido.

É como esse apanhado de momentos “aleatórios” da infância de Taeko são usados pelo filme para nos informar quem é essa mulher, o que a frustra e o que ela sente falta, que torna Memórias de Ontem brilhante. Embora seja um filme acessível, como todos os do estúdio são, é um filme sem grandes sequências de aventura ou fantasia. Nem mesmo o ritmo é constante: assim como na vida, tem dias que Taeko está mais no passado do que no presente, enquanto tem dias que o presente chama mais a atenção. Em termos de animação, Takahata está no seu lado mais pé no chão aqui, como em Túmulo dos Vagalumes, mas ele aproveita a estrutura de memórias do filme para contornar esse passado em névoas, com espaços vazios que se desfazem nas bordas da tela — esse é um mundo que existe nos limites das sensações de Taeko, mais do que tudo.