Três dias depois e eu ainda tô vidrado, pensando em Uma Batalha Após A Outra. Eu nem sei por onde começar a falar desse filme.
Paul Thomas Anderson cita Robert Altman há muito tempo — desde Boogie Nights, talvez? — e usa os ensinamentos de seu professor na máxima potência pra dirigir a ação de Uma Batalha Após A Outra. Ele mapeia cada personagem participando de uma sequência que, por mais caótica que ela seja, você sabe para onde cada um está rumando, qual o objetivo de cada um. Isso torna a ação mais grandiosa, e nos faz ver não só cada engrenagem funcionando, como a máquina inteira andando também.
É realmente incrível. Impressionante como até personagens como Junglepussy, que tem uns cinco minutos em tela, são tão inspiradores e marcantes que sua ausência é sentida. Uma Batalha Após A Outra não esconde a tristeza do sacrifício em uma revolução, das baixas que o French 75 teve. A revolução é feita de pessoas, cada uma delas: todo o prólogo do filme, que passa voando, é justamente uma demarcação de quem foram essas pessoas, pelo que elas tavam lutando, e como o mundo respondia a elas. Todo o restante do filme é uma movimentação furiosa desses pontos.
Isso libera muito do filme para Paul Thomas Anderson modular a tensão, e nossa como ele consegue. Ele tira tanto a comédia quanto o suspense em sequências em que senhas precisam ser decodificadas, perseguições precisam ser interrompidas porque o sensei tá tomando uma cervejinha. O filme é tão furioso, mas com um coração tão grande, que essas pausas não parecem só sacadas cômicas, mas momentos em que essas pessoas mostram quem elas são, e o que as move. É uma continuação menos organizada, mas mais natural, dos revolucionários lá do início do filme, que ainda reverberam muito tempo depois.
Essa modulação é perfeita, vale dizer. PTA sempre soube lidar com vários arcos narrativos ao mesmo tempo, mas eu acho que ele nunca lidou tão bem quanto aqui, em que de um lado há a revolução acontecendo, e de outro a relação de um pai e uma filha, e os conflitos de como passar seus ideais para a geração seguinte. Parece ser um filme extremamente pessoal de Anderson, de um pai duvidar de si mesmo, de perceber que sua geração falhou, mas ter esperança o suficiente de que a geração seguinte pode conseguir — e eles precisam das ferramentas para isso. Me lembrou muito de O Menino e a Garça nesse sentido, em que um mestre pede para que seu neto escolha entre manter um mundo imperfeito ou criar um mundo novo. Não é a toa que Chase Infiniti, que interpreta a filha de Leonardo DiCaprio, seja uma estrela do cinema. Ela está sempre à frente da ação. Ela domina a tela, ela inspira, ela nos traz esperança.
São poucos os filmes que eu acho que conseguem ser tão ligados nos dias atuais sem parecerem feitos sobre os dias atuais. Um pouco disso, e o próprio filme parece mostrar, é que o racismo, a xenofobia e a colonização são ameaças constantes na sociedade — e enquanto eles existirem, existirão os revolucionários. Não acho que seja coincidência que PTA tenha encenado “centros de contenção de imigrantes” da forma que filmou. Eles parecem ser referências diretas às prisões nas quais milhares de imigrantes estão sendo contidos nos EUA. O que mais chama a atenção é ver a coragem de Anderson de filmar tanto esses locais quanto a polícia e o governo americanos com tanta franqueza. Não existem figuras de linguagem aqui. É pau, pedra, o fim do caminho. Como A Batalha de Argel, que Uma Batalha Após A Outra cita e se inspira, esse é um filme que vai atravessar o tempo. Não só um documento histórico de como o cinema era quando foi feito, mas como ele deveria ser também. Furioso, mas de coração gigante.