Minha dieta cultural nas últimas semanas

Faz um tempo que eu não posto um desses resumões, não é mesmo? Eu mudei de emprego nesse último mês e, como eu não estou acostumado a fazer isso, esse tipo de mudança acaba demandando bastante de mim. Tá melhor agora! A mudança de emprego me fez mudar minha rotina, o que acabou me fazendo muito bem — algo que eu não pensei que poderia melhorar. Uma boa surpresa!

Também tem feito dias lindos por aqui, o que me faz escrever mais em outros lugares, geralmente que eu não publico. Eu escrevi um bocado de ficção nessas últimas semanas, coisa que eu não fazia há uns anos já. Eu também escrevi bastante no meu diário. Isso tem me feito muito bem.

Enfim, eu também não escrevi sobre minha dieta cultural porque, desse último mês, duas semanas inteiras foram dedicadas ao festival de filmes do estúdio Ghibli, que eu postei por aqui quase todos os dias. Foi ótimo, então não vou falar sobre isso. Vou falar sobre as outras coisas que fizeram parte da minha dieta cultural.

Jogos: Hades II, Super Mario Galaxy 1+2

Eu joguei um pouco de Hades II. O primeiro jogo nunca me prendeu muito (não é culpa do jogo, eu que não entro muito na zona mental de rogue-likes), e a mesma coisa aconteceu aqui. O que eu curto muito é a história, o desenvolvimento dos personagens conforme as tentativas-e-erros dos protagonistas vão continuando. Tô achando bem divertido assistir pessoas jogando por causa disso.

Eu joguei um bocado de outros jogos: Europa, Hidden Folks (amo), Alba: A Wildlife Adventure (um charme). Eu também rejoguei meu jogo favorito do ano passado, Monument Valley III. Tudo no Switch.

Meu maior tempo, porém, foi jogando os dois Super Mario Galaxy relançados pro Switch. Demorei um tempo pra me adaptar ao giroscópio dos Joy-Con ao invés da precisão da pontaria do Wii Remote, mas assim que eu peguei o jeito o jogo se abriu de novo. São duas obras-primas — eu terminei hoje de manhã o primeiro —, mas eu sempre vou ter um cantinho especial no coração pro segundo, que eu recém tô começando. Quando eu joguei pela primeira vez, em um verão no ensino médio, cada um dos níveis abria minha mente de um jeito novo. Nenhum outro jogo me inspirou tanto em termos de escrita. Tudo é possível se você der espaço suficiente pro jogador experimentar por ele mesmo. Com os relançamentos no Switch, eu finalmente posso aposentar meu Wii, que ficava ligado só pro caso de eu querer jogar Galaxy 2 de vez em quando. Foram 16 anos bem vividos.

Séries: Task, Hal & Harper

Duas séries com o Mark Ruffalo (🔥): Task na HBO Max e Hal & Harper, no MUBI. Ele tá bom nas duas, mas Hal & Harper, que tá no segundo episódio, talvez seja uma das minhas séries favoritas no ano, e muito por causa da atuação de Ruffalo. Como um pai corroído pela culpa, ele é uma parte do trio de protagonistas. Seus dois filhos, os personagens título, são jovens que cresceram rápido demais. Lili Reinhart, que interpreta a irmã mais velha, Harper, é o centro da série — e ela entrega. A jogada de Cooper Raiff de fazer as memórias de infância serem interpretadas pelos próprios atores na idade adulta parece meio bobo no início, mas ali pelo segundo episódio a série me puxou o tapete de um jeito… eu fiquei chorando por uma boa hora depois que ele acabou. Raiff é um excelente dialoguista.

Task é muito boa, e também é uma série sobre paternidade. Ela não é carnuda como Mare of Easttown, a série anterior do showrunner, que se focava tanto no lugar que você poderia se perder nos becos sem saída do cenário junto com a Mare, mas Task é tão boa tanto, e tem uma das sequências de ação mais fantásticas que eu vi esse ano

Livro: Frankenstein

Eu tô relendo pela terceira vez o Frankenstein de Mary Shelley. Não tenho muito o que dizer sobre esse livro além do fato de ele ser uma obra-prima, e provavelmente o melhor livro que eu já li na minha vida. Ele assombra toda a literatura de ficção científica depois dele, todos os filmes de monstros, e praticamente qualquer videogame. É realmente genial.

Música: West End Girl

Conversando com minha amiga sobre, eu disse que West End Girl parece com “Regret”, a música da Fiona Apple, mas explodida em um disco inteiro. Lilly Allen faz da traição uma montanha russa — com toda a raiva, vergonha, tristeza e redenção que ela vai trazer. Como Fetch the Bolt Cutters, que nos faz cantarolar uma música pesada como “Ladies”, West End Girl cria música-chiclete (o melhor estilo de música-chiclete!) de versos sobre descobrir que o marido tem um “pussy palace”, ou de sentir vergonha da raiva que ela está sentindo da outra. É tão divertido quanto genial.

Esse é um post escrito no iPad

Eu tava pensando, faz um tempo já, em comprar um iPad ao invés de comprar um laptop novo. Eu tenho um Mac mini na minha mesa, onde eu trabalho, mas usava meu laptop pra escrever quando estou na sala, ou viajando. Eu até cogitei em comprar um MacBook Air — desde que a Apple começou a usar os seus próprios processadores, o computador mais simples já dá pro gasto pra mim.

No fim, eu decidi por um iPad com o Magic Keyboard Folio. Tinha um na promoção, e com o desconto eu peguei uma Apple Pencil.

Eu configurei ele há algumas horas, mas eu queria tentar escrever nele (afinal, foi pra isso que eu comprei), então criei um workflow nos Atalhos para postar no blog através da API do GitHub. Quero ver se isso funciona, então esse post aqui é um teste.

Funciona assim: eu escrevo algo no app Notas, clico em compartilhar e, se tudo der certo, ele converte a nota em um arquivo Markdown, adiciona os metadados do arquivo (como data, título e tags), e daí envia pro repositório em que meu blog fica hospedado. Se isso tudo funcionar, você vai poder ler esse post no seu navegador. Vamos torcer.

door.link

Falando em música, semana passada eu encontrei um link pro site door.link no meu menu de favoritos do navegador. Eu não sei como ele foi parar lá, pra falar a verdade, mas acabou que door.link tem músicas excelentes pra passar o dia.

É exatamente isso que tem no site: uma seleção de músicas (197 no dia de hoje) “escolhidas a mão, crescendo com o tempo, livre de algoritmo”. Eu não faço ideia como esse link apareceu no meu menu de favoritos, mas tá aí uma boa descoberta.

Eu atrasei total esse post, e peço desculpas. Os últimos dias no trabalho — meus últimos dias na empresa que eu trabalhei pelos últimos anos — foram intensos.

Essa primeira etapa do Ghibli Fest acabou com dois filmes charmosos. Sussurros do Coração, que passou na terça-feira, é uma pérola. Um romance que tem um cenário tão marcante que eu nem sabia que ficava na memória com tanta intensidade: a loja de antiguidades que a protagonista Shizuku conhece depois de seguir um gato. Eu amo uma história de amor impossível, e a história de amor que Sussurros do Coração revela (não a dos protagonistas, mas a que existe nessa loja de antiguidades) é bem do tipinho que eu gosto. Toda a trama da frustração que é escrever também é muito a minha zona — e de uma especificidade deliciosa. O jeito como Shizuku parece aliviada a finalmente tirar essa história de dentro de si é linda.

Ponyo “anda” por cima dos espíritos do mar

Ponyo, que parece ser o menor filme do Miyazaki em escopo, também é uma pérola. Também é uma história de amor, bem A Pequena Sereia das ideias, mas é contada com tanto vigor e com tanta sinceridade que desarma qualquer um. Fora que a água é o cenário pra Miyazaki — a fluidez do movimento de seus filmes parece ainda maior quando tem líquidos envolvidos. É um bom filme pra acabar essa primeira parte da mostra, pensando em retrospecto. Não é A Viagem de Chihiro ou Totoro, mas deixa um gostinho de quero mais na boca, e uma satisfação no final da sessão. Bem aquilo que a gente quer.

Três dias depois e eu ainda tô vidrado, pensando em Uma Batalha Após A Outra. Eu nem sei por onde começar a falar desse filme.

Paul Thomas Anderson cita Robert Altman há muito tempo — desde Boogie Nights, talvez? — e usa os ensinamentos de seu professor na máxima potência pra dirigir a ação de Uma Batalha Após A Outra. Ele mapeia cada personagem participando de uma sequência que, por mais caótica que ela seja, você sabe para onde cada um está rumando, qual o objetivo de cada um. Isso torna a ação mais grandiosa, e nos faz ver não só cada engrenagem funcionando, como a máquina inteira andando também.

É realmente incrível. Impressionante como até personagens como Junglepussy, que tem uns cinco minutos em tela, são tão inspiradores e marcantes que sua ausência é sentida. Uma Batalha Após A Outra não esconde a tristeza do sacrifício em uma revolução, das baixas que o French 75 teve. A revolução é feita de pessoas, cada uma delas: todo o prólogo do filme, que passa voando, é justamente uma demarcação de quem foram essas pessoas, pelo que elas tavam lutando, e como o mundo respondia a elas. Todo o restante do filme é uma movimentação furiosa desses pontos.

Isso libera muito do filme para Paul Thomas Anderson modular a tensão, e nossa como ele consegue. Ele tira tanto a comédia quanto o suspense em sequências em que senhas precisam ser decodificadas, perseguições precisam ser interrompidas porque o sensei tá tomando uma cervejinha. O filme é tão furioso, mas com um coração tão grande, que essas pausas não parecem só sacadas cômicas, mas momentos em que essas pessoas mostram quem elas são, e o que as move. É uma continuação menos organizada, mas mais natural, dos revolucionários lá do início do filme, que ainda reverberam muito tempo depois.

Essa modulação é perfeita, vale dizer. PTA sempre soube lidar com vários arcos narrativos ao mesmo tempo, mas eu acho que ele nunca lidou tão bem quanto aqui, em que de um lado há a revolução acontecendo, e de outro a relação de um pai e uma filha, e os conflitos de como passar seus ideais para a geração seguinte. Parece ser um filme extremamente pessoal de Anderson, de um pai duvidar de si mesmo, de perceber que sua geração falhou, mas ter esperança o suficiente de que a geração seguinte pode conseguir — e eles precisam das ferramentas para isso. Me lembrou muito de O Menino e a Garça nesse sentido, em que um mestre pede para que seu neto escolha entre manter um mundo imperfeito ou criar um mundo novo. Não é a toa que Chase Infiniti, que interpreta a filha de Leonardo DiCaprio, seja uma estrela do cinema. Ela está sempre à frente da ação. Ela domina a tela, ela inspira, ela nos traz esperança.

São poucos os filmes que eu acho que conseguem ser tão ligados nos dias atuais sem parecerem feitos sobre os dias atuais. Um pouco disso, e o próprio filme parece mostrar, é que o racismo, a xenofobia e a colonização são ameaças constantes na sociedade — e enquanto eles existirem, existirão os revolucionários. Não acho que seja coincidência que PTA tenha encenado “centros de contenção de imigrantes” da forma que filmou. Eles parecem ser referências diretas às prisões nas quais milhares de imigrantes estão sendo contidos nos EUA. O que mais chama a atenção é ver a coragem de Anderson de filmar tanto esses locais quanto a polícia e o governo americanos com tanta franqueza. Não existem figuras de linguagem aqui. É pau, pedra, o fim do caminho. Como A Batalha de Argel, que Uma Batalha Após A Outra cita e se inspira, esse é um filme que vai atravessar o tempo. Não só um documento histórico de como o cinema era quando foi feito, mas como ele deveria ser também. Furioso, mas de coração gigante.