👨‍💻 Eu fiz alguns ajustes no estilo dos detalhes dos posts hoje de manhã. Acho que melhorou e deu uma “limpada” na hora de ler o blog. As datas também estão padronizadas tanto na lista de posts quanto no post em si.

As cinco melhores coisas de 2024

Queridos,

Esse é o último post do ano. Que ano… talvez o mais estranho e difícil que eu tive até aqui. Mas o Tobias está melhor agora, e as contas estão em dia.

Agora é hora de uma antiga tradição que eu tinha no Pão com Mortadela de elencar os cinco destaques da minha dieta cultural do ano. Pela primeira vez, eu vou postar ela no meu site pessoal. Pela última vez, ela vai ser exclusiva de lançamentos do ano. Isso porque muito dos melhores filmes, jogos ou séries que eu encontrei esse ano são, na verdade, mais antigos. E não é que lançamentos não são tão bons quanto os clássicos — é que, conforme o tempo passa, eu tenho menos tempo para acompanhá-los, e muito do meu tempo livre hoje é botando em dia séries que eu queria ter visto antes, livros que eu queria ter lido antes, jogos que eu só consegui terminar agora, e por aí vai.

Então aí vão as cinco melhores coisas de 2024, e cinco outros filmes, jogos, séries, músicas e links que eu gostei bastante.


Filme: O Sabor da Vida

Fotografia artística em tons dourados de duas pessoas em um campo alto de grama e flores silvestres. Uma veste um vestido branco vitoriano e chapéu, a outra usa trajes escuros formais. Ambas caminham separadamente em meio à luz do sol da tarde que banha a cena.

(Tran Anh Hung, 2023). Que filme incrível. Uma história de amor tão misteriosa quanto saborosa de assistir. O filme de Tran Anh Hung parece ser um experimento molecular: ele aguça os sentidos com seus planos ao redor da cozinha, em que Juliette Binoche e Benoît Magimel quase dançam entre fornos e tábuas de cortar, entre as carnes e as massas e os legumes; e aquece o coração com uma paixão e um amor que surge entre cozinheiros. Narrado entre as estações do ano, O Sabor da Vida é um daqueles filmes impecáveis — seu diretor desenrola a estética do filme de uma maneira que revê-lo abre uma nova dimensão para o espectador. É um daqueles filmes que fica no nosso corpo.

E também:

  • Dahomey (Mati Diop, 2024). Uma fábula-documentário sobre artefatos que viajam da terra de seus colonizadores de volta para sua terra natal no oeste da África. Diop filma “a história” dessas peças saqueadas e retornadas — o que elas “viram”, do que elas “lembram”. O mais único, e mais especial, filme que eu vi esse ano.
  • La Chimera (Alice Rohrwacher, 2023). Rohrwacher faz filmes mágicos, e La Chimera talvez seja o melhor deles até aqui. Eu saí da sessão querendo viver nesse filme, uma colisão de passado e presente, de mito e de realidade, tradicional e inventivo.
  • Tudo Que Imaginamos Como Luz (Payal Kapadia, 2024). Um filme cheio de alma, e cheio de momentos de vidas. No plural. Retratando a imensa Mumbai, é um filme que nos isola em nossa solidão, em nosso íntimo. Dentre as milhões de histórias que participamos e assistimos, algumas são pérolas milagrosas como as desse filme.
  • Todos Nós Desconhecidos (Andrew Haigh, 2023). Um dos meus filmes favoritos. Eu escrevi sobre ele no Pão: é uma daquelas obras-primas extremamente íntimas. É algo surreal quando um diretor consegue ilustrar uma sensação tão interna, de desejo e de solidão, em um filme. Haigh conseguiu, de novo.

Música: “Clouding Clouds” (Sarah Neufeld, Richard Reed Parry & Rebecca Foon)

Eu tava subindo os Andes ouvindo o First Sounds, o novo disco dos instrumentistas do Arcade Fire, quando a dobradinha “Clouding Clouds” e “First Sound” tocou. Tem algo de perfeito nesse momento: as cordas dos violinos pontuaram o dia nublado que cobria o céu e a pedra escura que formava aquele lugar — um mar de montanhas imensas, maiores do que qualquer coisa que eu já vi na minha vida. Envoltos em mistério, como essa música, que parece lapidada pelo próprio vento. Todo o First Sounds reflete o trabalho de Neufeld, Reed Parry e Foon nos seus primeiros anos de colaboração (o que explica alguns trabalhos que parecem terem vindo de Funeral), mas é o ambiente que eles criam — cheio de textura, de espaço entre os instrumentos — que tornaram esse o meu disco do ano, e foi o momento que tornou “Clouding Clouds” a sua música chave pra mim. É uma música que respira o ar que está ao nosso redor, e exala na nossa mente.

E também:

  • “Alone” (The Cure). Um disco novo totalmente tomado pela morte e pela solidão, e “Alone” talvez seja minha nova música favorita do The Cure. E que voz cristalina essa do Robert Smith, hm?
  • “Mary Boone” (Vampire Weekend). Como o novo álbum dos Yeah Yeah Yeahs antes, o Only God Is Above Us encontra o Vampire Weekend naquele momento que você percebe que eles amadureceram, como esse post no Bluesky consegue descrever tão bem. “Mary Boone” nos lembra do tipo de som que essa banda já fez — mas tem uma nova camada de maturidade em cima, que não a torna tão enérgica, mas adiciona uma profundidade no seu som.
  • “TEXAS HOLD’EM” (Beyoncé). Pra mim, Cowboy Carter entregou tudo o que Renaissance não tinha. Em “TEXAS HOLD’EM”, a Beyoncé encontra um ponto entre o que tornou seu Lemonade em uma obra-prima e seu I am… Sasha Fierce tão enérgico de ouvir. Tomou 1/3 do meu ano.
  • “VELUDO MARROM” (Liniker). Quando começa, “VELUDO MARROM” parece uma típica música de Liniker: uma descrição muito íntima de um momento que ela busca eternalizar. A descrição de um toque, de um beijo, de uma manhã. Mas quando a orquestra chega, Liniker explode a música aos quatro ventos em uma grandiosidade que eu não tinha ouvido ela manejar antes. Seu íntimo se transforma em transcendental.

Série: Alguém em Algum Lugar

Interior de uma sala de estar aconchegante com sofá laranja. Duas pessoas sentadas conversam e riem juntas, compartilhando um momento descontraído. A decoração inclui almofadas, cortinas verdes e uma luminária de mesa com base clara.

(3ª temporada, HBO). Alguém em Algum Lugar foi um daqueles milagres que são cada vez mais raros na TV: uma série sobre nada, falando em termos gerais; mas sobre tudo, em específico. Como Betty, era leve, mas nunca foge das imperfeições de suas personagens. Aqui, sobre um grupo de pessoas no interior do Kansas que se sentem fora de si encontram, entre eles, um lugar para chamar de seus. É uma última temporada que não parece um fim, o que é de partir o coração mas também honesta com essa série, esperançosa até seus últimos momentos.

E também:

  • Conan O’Brien Must Go (1ª temporada, HBO). Eu queria muito esse trabalho, encontrar uma desculpa pra viajar o mundo e fazer uma série sobre isso.
  • Ripley (minissérie, Netflix). A série mais linda do ano, as vezes até demais — distraindo da construção de personagem ou de trama porque estamos vislumbrando a beleza estonteante da série, até ela puxar seu tapete.
  • Sunny (1ª temporada, Apple TV+). Que ótima surpresa! Sunny parece um pouco como The Leftovers, um pouco como Westworld, se é que isso faz sentido. É divertido até ser triste, como The Leftovers; e tem o orçamento necessário pra fazer sua ficção científica funcionar, como Westworld — mas também tem aquela textura e vivência de filmes como Ela. Esperando muito a nova temporada.
  • Xógum: A Gloriosa Saga do Japão (1ª temporada, Disney+). A maior série do ano e, eu acho, a próxima série essencial da TV. Assim como outras grandes séries, como Sopranos e Breaking Bad, a primeira temporada é excelente — mas é melhor ainda no que ela sugere: que será ainda maior, ainda mais profunda, nos anos seguintes. Eu mal posso esperar.

Jogo: Monument Valley 3

Cena de um jogo estilo isométrico com estética minimalista. Três vitrais góticos iluminados exibem padrões geométricos em tons pastéis de rosa, azul e amarelo. Abaixo, uma pequena figura em pixel art está no topo de uma escadaria azul-turquesa com um portal.

(ustwo, iOS e Android). Chegou no finzinho do ano, e roubou meu coração. Como os anteriores, Monument Valley 3 é lindo, mas também parece um milagre: ele te ensina a ver de novo, de novos jeitos. Virou uma rotina minha, todo dia de manhã tomar um café e brincar em seus quebra-cabeças arquitetônicos enquanto levo Noor de ilha a ilha, encontrando e formando uma comunidade na imensidão do oceano que tomou seu mundo. Como o original, é um jogo inesquecível.

E também:

  • Animal Well (Shared Memory, PC, PlayStation, Switch, Xbox). Um mistério em forma de metroidvania, Animal Well é o jogo mais impressionante que eu joguei esse ano. Um jogo que te ensina a jogar ele, e te ensina a jogar ele de uma forma completamente nova logo depois. Além disso, é belíssimo.
  • The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom (Nintendo, Switch). Eu não tava esperando um novo Zelda esse ano, e nem um Zelda tão bom. Mas foi muito acertado os desenvolvedores voltarem para a fórmula mais clássica da franquia após Tears of the Kingdom e transcrever muito do que eles aprenderam no jogo anterior. É refrescante jogar um novo Zelda que parece, mas não é, aqueles Zeldas de quando eu cresci.
  • Thank Goodness You’re Here! (Coal Supper, PC/Mac, PlayStation e Switch). Mais jogos deviam ser uma comédia como esse “slapformer” de um homem visitando uma cidadezinha e as várias vinhetas das situações que ele encontra por lá. É curtinho, mas é uma delícia de jogar. Antes da chegada do novo Monument Valley, era o meu jogo do ano.
  • UFO 50 (Mossmouth, PC). Uma coletânea de jogos que reune um espírito de diversão, descoberta e experimentação que não se vê nos jogos de hoje em dia. Como os jogos da geração de 8-bit, cada jogo de UFO 50 é como aprender a jogar pela primeira vez de novo.

(artigo, The New Atlantis). Eu venho lendo a The New Atlantis há um tempo, mas de alguma forma eu nunca tinha lido esse belíssimo artigo sobre a condição da existência dos elefantes (e de animais como um todo) em um planeta moldado por humanos. Não só a busca pela evidência de alma nessas criaturas magníficas, mas também a busca pela nossa responsabilidade ao moldarmos leis ao redor delas. Eu li esse artigo no avião, indo pro Chile, e chorei várias vezes. Pela beleza do que ele descreve — existe um mundo inteiro intocado e intocável por nós dentro do monumento que é um elefante — e pela atrocidade do sofrimento que causamos nesse mundo, para além da nossa compreensão.

  • Madalena” (newsletter, Le Chouchou). A Aline (@tdbem) criou uma newsletter nesse ano e se tornou numa leitura obrigatória pra mim. Esse belíssimo texto sobre Em Busca do Tempo Perdido é um de seus melhores — nos dando um incentivo para ler a obra-prima, mas também nos indicando o que podemos encontrar por lá.
  • Never Post (podcast). Um novo podcast favorito! Never Post, um podcast sobre a internet, é como ler a Wikipédia: cheio de histórias surpreendentes, conexões inesperadas, e a lembrança de que são seres humanos, e não robôs, que criaram tudo isso. Experimente o episódio ao vivo na XOXO desse ano, é o melhor ponto de entrada.
  • We need to rewild the internet” (artigo, NOĒMA). A melhor descrição que eu já li para a internet está nesse texto — e a melhor descrição de como podemos tomá-la de volta também.
  • ‘Agora somos nós em um barco de resgate, tendo que contar ao mundo que estamos nos afogando’” (artigo, SUMAÚMA). Isso aconteceu esse ano. A cidade ainda cheira, ainda tem marcas. A SUMAÚMA registrou durante o ano a destruição e o descaso das enchentes no RS como nenhum outro lugar. Nesse artigo de relatos, eternizou a experiência do que foi. O silêncio da cidade ainda assombra.

É isso pra 2024.

Nos vemos no futuro.

— Arthur.

A sequência de trocas de “Link's Awakening”

Link’s Awakening é o meu jogo de Zelda favorito. Eu tô jogando ele de novo (no remake lançado pro Nintendo Switch em 2019), e eu lembrei da genialidade que é a sequência de trocas que existe nele.

Em Link’s Awakening, o Link se perdeu atravessando o Grande Mar e acaba naufragando na Ilha Koholint. Ela é diferente de tudo o que já vimos na Hyrule dos Zelda anteriores: é uma ilha tropical cheia de monstros vindos de outros jogos da Nintendo, como os Goomba do Super Mario e uma criatura que parece muito o Kirby.

Eu escrevi sobre isso no ranking: o que torna Link’s Awakening especial pra mim é a sua densidade. Embora o mapa seja pequeno (ele foi desenvolvido dentro dos limites do Game Boy original), Koholint está repleta de personagens marcantes. Embora eles sejam aqueles típicos NPCs, com seus roteiros de diálogo prontos e ciclos de movimento, eles complementam a estranheza do cenário: o senhor Ulhira não gosta de falar pessoalmente, então você precisa sempre falar com ele por telefone; a vovó Yahoo adora gritar “yahoo”; o Mr. Write troca correspondências com Christine, uma coelha que dá um catfish nele com a foto da princesa Peach; e por aí vai.

Como em todos os Zelda depois de A Link to the Past, Link não é só um herói que tenta aniquilar um vilão. Ele é um “amigo da vizinhança” que tenta ajudar os habitantes de Hyrule em missões paralelas: seja resgatar os cuckoos de um morador da vila Kakariko ou encontrar as botas de neve de alguém no deserto Gerudo, as aventuras de Link sempre são espiralantes.

Só que, diferente de outros jogos, Link’s Awakening coloca esses aspectos no palco central com a chamada sequência de trocas. No início, ele parece muito algo paralelo e opcional: você compra um boneco do Yoshi para a mãe de uma criança, mas ao invés de ela retribuir com rúpias ou uma arma, ela te retribui com um laço.

Conforme o jogo progride, você encontra um personagem que vai trocar o laço por uma outra coisa, e então isso vai ser trocado por outra. Eventualmente, a sequência de trocas deixa as margens da história e se torna sua missão principal. A essa altura você já vai conhecer Koholint e seus habitantes naturalmente, e você vai saber naturalmente o que fazer com o item que você recebeu — talvez porque alguém tenha falado que precisava de algo com o item que você está agora, ou porque o item tem a cara de um personagem específico.

Acho que a sequência de trocas é o meu detalhe favorito de Link’s Awakening, e provavelmente é meu detalhe favorito dentre todos os jogos que eu já joguei. É incrível, principalmente com o quão trágico esse jogo é. Sua missão nessa lenda de Zelda é acordar o Peixe-Vento, e suas boas ações nesse jogo te faz se aproximar dos personagens, que te ajudam nessa missão. Porém (e spoilers para a trama do jogo), é justamente o que irá “destruir” Koholint e a vida desses personagens que você quis tanto ajudar.

Isso tudo, porém, pontuado o humor e estranheza típicos de Link’s Awakening tornam esse jogo em algo realmente único pra mim. Embora seja engraçado e trágico ao mesmo tempo, Link’s Awakening é o único jogo além de Breath of the Wild que parece capturar um lugar com tanta vivacidade. Mesmo pequena, a ilha Koholint é imensa em história — cada personagem tá fazendo algo ou precisa de algo, tem alguma relação com outro personagem ou outro lugar, e assim por diante. É mágico e surpreendente, porque a sequência de trocas (e Link’s Awakening como um todo) opera como um sonho: você lembra que está lá e lembra que uma coisa leva a outra, mas as especificidades são tão intricadas que você as perde com o tempo, já que para lembrar de algo tão detalhadinho você precisaria lembrar de todos os detalhes ao redor também. Sempre que eu jogo Link’s Awakening, eu me surpreendo de novo.

📺 Tô revendo The Wire. Queria ficar fazendo uns últimos ajustes no site enquanto assisto, mas é impossível. The Wire é muito denso — tem sempre muita coisa acontecendo, mesmo que na maior parte do tempo os personagens parecem perdidos. Se eu tiro o olho da TV, eu perco.

Um cachorro dormindo numa caminha ao lado da porta de entrada de uma casa

Uma estátua de madeira de um povo Andino em meio às árvores

O vitral azulado do Museu Náutico do Chile, em Valparaíso

Detalhe dos ponchos chilenos em uma loja do Mercado Público de Santiago

A vista do oceano pacífico entre as casas em uma escadaria de Valparaíso Valparaíso

Detalhe da água batendo entre um rochedo de Viña del Mar Viña del Mar

Vista de um vale em meio às montanhas dos Andes. Ao fundo, um vulcão

Vista das montanhas do outro lado do Embalse El Yeso Embalse El Yeso

Minhas fotos favoritas da viagem ao Chile.