Quando a Tai me disse quais filmes ia ver numa mostra da Varda, eu fiquei tão feliz que um deles seria Ulysse. Eu fiquei tão feliz de ver que ela gostou desse filme que eu amo tanto. Só consigo imaginar nosso próximo encontro, muito provavelmente na porta do Capitólio ou na entrada da Paulo Amorim, onde eu ia gritar “ULYSSE?” e ela ia abrir aquele sorrisão, feliz de compartilhar uma boa conversa sobre um filme que gostou comigo.

Já faz um tempo que eu aprendi a respeitar o luto. Não entender, nem aprender algo com ele. Mas quando ele chega, eu preciso respeitar minha insignificância perante ao luto. Ele é um soco de incerteza e de perda. Um vazio, um buraco. Meu luto é medo. Foi medo que eu senti quando eu recebi a notícia da morte da Tai, e foi medo o que eu senti depois.

A relação entre eu e a Tai existia somente entre nós. Embora a gente tenha se conhecido na faculdade, só nos aproximamos depois que nos formamos — ela um ano antes de mim. Desde então, nossa amizade não existia ao redor de trabalho ou de convívio. Existia entre ela e eu. Quando eu recebi a notícia, muitos medos vieram na cabeça — medo de ela ter se sentido sozinha, ou com dor, ou desesperada. Medo de não ter ninguém ao lado dela pra acompanhar ela nesse momento, o mais importante de cada vida. Medo, também, de que agora tudo o que resta da linda amizade que nós tínhamos — dos filmes que gostávamos juntos, dos que a gente desgostava junto também; das teorias sobre Zelda; e do segredo da caponata que ela fez um dia e a gente comeu com sanduíche — era eu. É muita responsabilidade manter uma amizade sozinho. É muito difícil, precisa de dois. É o medo de deixar essa amizade se perder agora que só tem você pra lembrar e sentir tudo isso.

A Tai gostava muito de Fleabag e um dos momentos mais bonitos daquela série era quando a protagonista pergunta pra amiga dela onde botar todo o amor que sente pela mãe, que morreu. A amiga responde que aceitaria ficar com esse amor. Acho que a Tai seguia isso a risca — ela enchia todo mundo que conhecia de carinho, de abraço, de companhia. Agora todo esse amor tá com a gente. Dessa responsabilidade eu tenho medo, mas também tenho um pouco de orgulho. Foi o que ela deixou comigo, e que bom legado é esse.

O telão da Cinemateca Capitólio, com uma foto da Tai na própria cinemateca, sorrindo debruçada no encosto de uma das poltronas, ouvindo alguém em alguma sessão de debates Essa foto foi tirada depois, na sessão de “O Mágico de Oz” na Cinemateca Capitólio, que foi feita em homenagem à Tai.