Ainda Estou Aqui, de Walter Salles
Eu cresci em uma casa assim.
Meus pais foram crianças como aquelas. Cresceram em silêncio. Seus pais, sindicalistas, enchiam a casa de amigos. Mas quando as crianças entravam, eles ficavam quietos. As crianças não entenderiam, mas poderiam falar algo.
Eu não cresci naquela época, mas cresci com o trauma dos meus pais. Vi meus pais ficando quietos perto de mim e da minha irmã. Vi a melancolia silenciosa em sua felicidade. Suas brincadeiras com os amigos, cheias de amor e esperança por segurança. “Avisa quando chegar em casa”, dizem a eles. Eu repito isso para meus próprios amigos.
Ainda Estou Aqui é o primeiro filme que já vi que realmente traça as cicatrizes da ditadura militar em nosso país através das gerações. De como esse lar se esfarela. Ver as cicatrizes sendo feitas naqueles adultos que irão, à sua maneira, marcar seus filhos com o mesmo silêncio, o mesmo medo. É um filme magnífico — mas também quase sem esperança. Enquanto nosso país e o mundo espiralam em direção aos mesmos horrores que pensávamos ser nosso passado, aquela casa fica quieta. Os amigos param de vir. As fotos persistem.
Mas vejo tanto dos meus pais e dos meus avós em mim, na minha casa. Gosto de estar aqui, para um amigo que precisa de um lugar para passar a noite, para alguns amigos que querem tomar uma cerveja depois do trabalho. Para que a música toque, para que exista algum tipo de segurança para mim e para aqueles que amo.
Salles reúne os melhores atores no melhor filme que um diretor brasileiro fez nesta década. Um filme para os brasileiros assistirem e entenderem as raízes de nossas cicatrizes e o valor precioso do nosso amor, do nosso lar.